segunda-feira, 7 de março de 2011

A ti, para sempre.

Foram sete anos. São oito. Vão ser nove, dez, vinte, trinta! Vão ser tantos que vou deixar de os contar.

Chegaste tão tarde. Precisava de ti antes de te conhecer
Tantas lágrimas deixei que caíssem, tantos gritos que deixei ecoar entre todos aqueles pinheiros que serviam de esconderijos, ou casas, ou cozinhas… Tantos passos curtos e amedrontados que se ouviam naqueles corredores recheados de defeituosos desenhos, que cheiravam a felicidade alheia, cheiravam a inveja. Tantas sextas-feiras de joelhos descobertos, torturados na madeira fria de uma igreja feia e triste, sem fé, sem partilha, sem amor.

Chegaste e agarraste-me a mão com tanta força que nunca mais a consegui largar. Levantaste-me do chão. Reergueste-me e nunca desististe de mim. Eras a fé que nunca tive.

Não tinha cotovelos esfolados como os teus. Não tinha o cabelo desgrenhado ao fim do dia. Não dava risadas altas e extasiantes. Não tinha a barriga à mostra e a pele queimada do sol do recreio. Não cheirava a terra e a comida de cantina. Não tinha nada.
Dava tudo para ter cotovelos esfolados, o cabelo desgrenhado, roupas gastas e sujas que me deixassem com a barriga à vista. Dava tudo para ter rido como tu te rias. Gostava de ter corrido, sentir o vento frio de o inverno prematuro a contrariar as pequenas gotículas de suor que surgiriam, suponho. Gostava de ter tido alguém a puxar-me pelo braço, pela mão, pelo pé, com medo de me perder. Gostava de ter tido um sabor doce na minha boca, com um toque azedo disfarçado de proibição ou destino questionável. Gostava de, por uma única manhã, ter tido uma súbita vontade de ir para a escola o mais rápido possível, para não perder  as brincadeiras mais barulhentas. Gostava de ter gostado do que não vivi.

 Em vez disso, embrulhavam-me em tecidos quentes e desconfortáveis, de cores tristes e enfadonhas, com o pescoço rodeado por laços murchos e colarinhos brancos. A vaguear por cimento cravejado de giz ou pequenos pedaços de tijolo, que serviam para desenhar, que serviam para os outros brincarem, com os olhos colados no chão, com medo que alguém me chamasse, me visse, ou sequer me imaginasse a passar por ali.
Ainda assim, ainda totalmente igual a todas as outras, para meu terror, alguma coisa me fazia sobressair.  Era o loiro. Era a pele branca, lívida, apática. A infelicidade escrita na testa com um sinal vermelho. Queria ser invisível. Queria fugir. Trocava todos aqueles pequenos e insatisfeitos dedos a apontarem para mim, por tiros. Todas eles teriam sido certeiros.

Nunca fugi e ainda hoje não entendo porquê. Estavas tão perto. (onde estavas?)

Mas chegaste. Salvaste o que ainda resta de mim, hoje.
Deste-me o meu primeiro abraço verdadeiro. Deste-me tudo sem pedir nada em troca. Vias o que eu não via em mim. Sorriste para mim milhares de vezes, sem nunca obter resposta. Mas insististe. Insististe. Insististe sempre. Sabias que havia alguma coisa que eu te podia dar em retorno.
 Eu respondi, finalmente, eu respondi. Deste-me a mão. Deste-me um abraço e disseste-me um “vai ficar tudo bem”. Disseste-me um “amo-te” e chamaste-me de melhor amiga.


Lembro-me de tudo o que significaste naquela altura. O que significas hoje. E o que vais significar amanhã.
Lembras-me constantemente de como devo ser. De como devo agir. És a minha consciência mais justa, mais lógica. Mesmo não saindo uma palavra da tua boca. Equilibras, amparas e amas.
Podemos ter conversas infindáveis com apenas um suspiro, uma troca de olhares. Rimos inconscientemente do que não tem piada e voltamos a rir.
Tens sempre um lugar para mim. Tens sempre tempo para me ouvir, ainda que eu não diga nada. Tens sempre tempo para sermos juntas, o que não sabemos ser separadas.
És mais do que eu te sei dizer.
Temos o que mais ninguém tem. Temo-nos a nós, juntas, sempre.

Foto: Beatriz Rodrigues




















PS: Tenho constantes saudades do que ainda vamos ser.
      Juntas, claro!




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